sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Seremos Livres?

«Vou contar-te um caso dramático. Já ouviste falar das térmitas, essas formigas brancas que, em África, constroem formigueiros impressionantes, com vários metros de altura e duros como pedra. Uma vez que o corpo das térmitas é mole, por não ter a couraça de quinina que protege os outros insectos, o formigueiro serve-lhes de carapaça colectiva contra certas formigas inimigas, mais bem armadas do que elas. Mas por vezes um dos formigueiros é derrubado, por causa duma cheia ou de um elefante (os elefantes, que havemos nós de fazer, gostam de coçar os flancos nas termiteiras). A seguir as térmitas-operário começam a trabalhar para reconstruir a fortaleza afectada, e fazem-no com toda a pressa. Entretanto, já as grandes formigas inimigas se lançam ao assalto. As térmitas soldado saem em defesa da sua tribo e tentam deter as inimigas. Como nem no tamanho nem no armamento podem competir com elas, penduram-se nas assaltantes tentando travar o mais possível o seu avanço, enquanto ferozes mandíbulas invasoras as vão despedaçando. As operárias trabalham com toda a velocidade e esforçam-se por fechar de novo a termiteira derrubada…mas fecham-na deixando de fora as pobres e heróicas térmitas-soldado, que sacrificam as suas vidas pela segurança das restantes formigas. Não merecerão estas formigas pelo menos uma medalha? Não será justo dizer que são valentes?

Mudo agora de cenário, mas não de assunto. Na Ilíada, Homero conta a história de Heitor, o melhor guerreiro de Tróia, que espera a pé firme, fora das muralhas da sua cidade, Aquiles, o enfurecido campeão dos Aqueus, embora sabendo que Aquiles é mais forte e que ele provavelmente vai matá-lo. Fá-lo para cumprir o seu dever, que consiste em defender a família e os concidadãos do terrível assaltante. Ninguém tem dúvidas: Heitor é um herói, um homem valente como deve ser. Mas será Heitor heróico e valente da mesma maneira que as térmitas-soldado, cuja gesta milhões de vezes repetida nenhum Homero se deu ao trabalho de contar? Não faz Heitor, afinal de contas, a mesma coisa que qualquer uma das térmitas anónimas? Porque nos parece o seu valor mais autêntico e mais difícil do que o dos insectos? Qual é a diferença entre um e outro caso?

Muito simplesmente, a diferença assenta no facto das térmita-soldado lutarem e morrerem porque têm que o fazer, sem que possam evitá-lo (como a aranha come a mosca). Heitor, por seu lado, sai para enfrentar Aquiles porque quer. As térmitas-soldado não podem desertar, nem revoltar-se, nem fazer cera para que as outras vão em seu lugar: estão programadas necessariamente pela Natureza para cumprirem a sua heróica missão. O caso de Heitor é distinto. Poderia dizer que está doente, ou que não tem vontade de se bater com alguém mais forte do que ele. Talvez os seus concidadãos lhe chamassem cobarde e o considerassem insensível ou talvez lhe perguntassem que outro plano via ele para deter Aquiles, mas é indubitável que Heitor tem a possibilidade de se recusar a ser herói. Por muita pressão que os restantes exercessem sobre ele, ele teria sempre maneira de escapar daquilo que se supõe que deve fazer: não está programado para ser herói, nem o está seja que homem for. Daí que o seu gesto tenha mérito e que Homero nos conte a sua história com uma emoção épica. Ao contrário das térmitas, dizemos que Heitor é livre e por isso admiramos a sua coragem.»

Fernando Savater, Ética para um jovem, Ed. Presença, Lisboa, pp. 21-22

Seremos todos imbecis?

“Sabes qual é a única obrigação que temos nesta vida? Pois é a de não sermos imbecis. A palavra “imbecil” é mais densa do que parece, não duvides. Vem do latim baculus, que significa bastão: o imbecil é o que precisa de um bastão ou bengala para andar. Que não se zanguem connosco os coxos nem os velhos, porque a bengala a que nos referimos não é a que muito legitimamente se usa para ajudar a sustentar-se e a andar um corpo enfraquecido por algum acidente ou pela idade. O imbecil pode ser tão ágil quanto se queira e dar saltos como uma gazela olímpica, não é disso que se trata. Se o imbecil coxeia não é dos pés, mas do espírito: é o seu espírito que é enfermiço e manco, embora o seu corpo possa dar cambalhotas de primeira. Há imbecis de diversos modelos, à escolha:
a) O que acredito que não quer nada, o que diz que para ele é tudo igual, o que vive num perpétuo bocejo ou numa sesta permanente, mesmo que tenha os olhos abertos e não ressone.
b) O que acredita que quer tudo, a primeira coisa que lhe aparece e o contrário do que lhe aparece: ir-se embora e ficar, dançar e estar sentado, mascar dentes de alho e dar beijos sublimes, tudo ao mesmo tempo.
c) O que não sabe o que quer nem se dá ao trabalho de o averiguar. Imita os quereres dos seus vizinhos ou contraria-os porque sim, tudo o que faz lhe é ditado pela opinião maioritária daqueles que o rodeiam: é conformista sem reflexão ou revoltado sem causa.
d) O que sabe que quer e sabe o que quer e, mais ou menos, sabe porque é que o quer, mas quer pouco, com medo ou sem força. Acaba sempre por fazer, bem vistas as coisas, o que não quer, deixando o que quer para amanhã, pois talvez amanhã esteja mais bem disposto.
e) O que quer com força e ferocidade, em estilo bárbaro, mas se enganou a si próprio acerca do que é a realidade; despista-se em grande e acaba por confundir a vida boa com aquilo que o há-de tornar pó.
(...)
O contrário de se ser moralmente imbecil é ter-se consciência. (…) Em que consiste essa consciência que nos curará da imbecilidade moral? Fundamentalmente nos traços seguintes:

a) Saber que nem tudo vem a dar ao mesmo porque queremos realmente viver e, além disso, viver bem, humanamente bem.
b) Estarmos dispostos a prestar atenção para vermos se aquilo que fazemos corresponde ou não ao que deveras queremos.
c) À base de prática, irmos desenvolvendo o bom gosto moral, de tal modo que haja certas coisas que nos repugne espontaneamente fazer (por exemplo, temos «nojo» de mentir como temos em geral nojo de mijar na terrina da sopa que vamos comer a seguir…).
d) Renunciarmos a procurar argumentos que dissimulem o facto de sermos livres e portanto razoavelmente responsáveis pelas consequências dos nossos actos.
Fernando Savater, Ética para um Jovem

Fernando Savater

Fernando Savater nasceu em San Sebastián em 1947. Catedrático de Ética na Universidade Complutense de Madrid, é autor de uma vasta obra que abarca o ensaio, a narrativa e o teatro. Entre outros galardões, recebeu o Prémio Francisco Cerecedo da Associação de Jornalistas Europeus e o Prémio Sakharov de Direitos Humanos. Fernando Savater é um dos pensadores mais destacados de Espanha e tem vindo a ganhar grande popularidade no mundo inteiro.

Estamos condenados à liberdade?

(...)um barco transporta uma carga importante de um porto para outro. A meio do trajecto, surpreende-o uma tempestade tremenda. Parece então que a única forma de salvar o barco e a tripulação é lançar borda fora a carga, que embora importante pesa muito. Ao capitão do navio coloca-se o seguinte problema: "Devo deitar fora a mercadoria ou arriscar-me a enfrentar o temporal conservando-a a bordo, esperando que o tempo melhore ou que a embarcação resista?" A partir daqui, se lança a carga ao mar, fá-lo-á porque prefere fazer isso a desafiar o perigo, mas seria injusto dizermos sem mais que a quer lançar ao mar. O que ele deveras quer é chegar ao seu destino, com o navio, a tripulação e a mercadoria; é isso o que mais lhe convém. Contudo, dadas as circunstâncias tormentosas, prefere salvar a sua vida e a da tripulação a salvar a carga, por mais preciosa que seja. Oxalá não tivesse rebentado a maldita borrasca! Mas a borrasca é algo que ele não pode escolher, é uma coisa que lhe foi imposta, uma coisa que lhe aconteceu, queira ele ou não; o que em contrapartida pode escolher é o comportamento a seguir no perigo que o ameaça. Se lança a carga borda fora, fá-lo-á porque o quer... e ao mesmo tempo sem o querer. Quer viver, salvar-se e salvar os homens que dependem dele, salvar o seu barco; mas não quer ficar sem a carga nem sem o ganho que ela representa, pelo que só muito a contragosto se separará dela. Preferiria sem dúvida não se ver no passo de ter que escolher entre a perda dos bens e a perda da sua vida. Todavia, não pode evitá-lo e tem de decidir-se: escolherá o que quiser mais, o que julga mais conveniente. Poderíamos dizer que é livre porque não pode evitar sê-lo, livre de escolher em circunstâncias que não escolheu sofrer.
(Fernando SAVATER - Ética para um jovem, 3ª ed. Lisboa: Editorial Presença, 1995, pp. 29-30)

1. Justifique se considera verdadeira/falsa cada uma das afirmações seguintes:

a) Fernando Savater defende que o Homem é livre, porque pode agir sem quaisquer condicionalismos
b) O autor do texto defende o determinismo
c) O autor do texto defende que o Homem está obrigado a ser livre, porque tem que escolher, apesar de não poder escolher tudo.
2. Concorda com a tese do autor? Argumente a favor da sua posição.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Filosofia Prática

«Considero que um tema ético importante é aquele que toda a pessoa que pensa um pouco tem de enfrentar. (...) Quais são as nossas responsabilidades pessoais para com os pobres? Teremos alguma justificação para tratar os animais como se não passassem de máquinas que produzem carne para a nossa alimentação? Será legítimo usarmos papel nao reciclado? E, em todo o caso, porque nos havemos de preocupar em agir de acordo com princípios morais? Outros problemas, como o aborto e a eutanásia, não representam felizmente decisões quotidianas que a maior parte de nós tenha de tomar; mas são problemas que podem surgir na nossa vida a qualquer momento. São temas de preocupação actual sobre os quais todas as pessoas que participam no processo de tomada de decisões da nossa soiedade precisam de reflectir.»


Peter Singer, Ética Prática, Gradiva, Filosofia Aberta, Lisboa, Setembro 2002

Humor e Filosofia II

Quantos filósofos são precisos para mudar uma lâmpada?·

Hmmm... Ora aí está uma questão intrigante....· Aaa... Define “Uma lâmpada”...· Como podes ter a certeza que ela precisa de ser mudada?· Ok. Três. Um para a mudar e outros dois para andar à volta dela a indagar se a lâmpada existe realmente ou não.


Quantos hegelianos são precisos para mudar uma lâmpada?
Dois, é óbvio. Um fica num dos cantos da sala e argumenta que não está escuro. O outro fica no canto oposto e argumenta que a luz verdadeira é impossível. A dialéctica daí resultante cria uma síntese que faz o trabalho.

A utilidade (precoce) da Filosofia

Reportagem sobre a utilidade da Filosofia e o ensino de Filosofia para Crianças

http://www.youtube.com/watch?v=kqtCNNdxm5I

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Alegoria da Caverna VS Matrix




A Alegoria da Caverna, narrada por PLATÃO é, talvez, uma das mais poderosas metáforas imaginadas pela filosofia, para descrever a situação geral em que se encontra a humanidade. Para o filósofo, todos nós estamos condenados a ver sombras à nossa frente e tomá-las como verdadeiras. Essa poderosa crítica à condição dos homens, escrita há quase 2500 anos atrás, inspirou e ainda inspira inúmeras reflexões.
Presos numa caverna, os homens só vêem sombras que são projectadas na parede. Como nunca conheceram algo diferente, julgam que as sombras são a realidade. Vêem as aparências e pensam ver a verdade. Na alegoria da caverna, Platão fala do mundo sensível, sujeito a interpretações falsas, e do mundo inteligível, no qual habitam as Formas puras. Aparência e essência. Irreal e real.


No filme Matrix, a personagem Neo tem uma vida normal até descobrir que o seu corpo real hiberna inerte numa cápsula, enquanto a sua mente é controlada por uma máquina virtual. O corpo que ele pensa ser real é, na verdade, uma simulação criada por um sofisticado programa que coloca um mundo ilusório sob os seus olhos para o impedir de ver a verdade. Morfeu, não por acaso o mesmo nome do Deus dos sonhos, pergunta: qual a diferença entre o sonho e o mundo real? Em seguida, oferece a Neo a pílula vermelha que o tirará do sono e o levará ao deserto do real. Mas Cypher, aquele que trai, e escolhe dar continuidade a esse sono profundo, faz uma escolha diferente. Para ele, a ignorância é maravilhosa e a Matrix pode ser mais real do que o mundo real. Sonho e realidade. Virtual e real.




Fazendo uma comparação do filme “Matrix” com a alegoria da caverna, chegamos à conclusão que a matrix seria o mesmo que a caverna no mito de Sócrates, que é nada mais que uma metáfora para a ignorância do homem.
Antes de tirar Neo da matrix, Morpheus acredita que ele seja uma espécie de escolhido, pela capacidade que Neo demonstrava de questionar, mesmo quando estava “dentro” da matrix. De certa forma, Neo é como os filósofos, que procuram saber, buscam o conhecimento. Isso fica explícito em certos diálogos do filme:
- “Eu sei porque você está aqui, Neo. Eu sei o que você tem feito...Porque você mal dorme, porque você vive sozinho, e porque noite após noite, você se senta no computador. Você está procurando por ele. Eu sei, porque uma vez já procurei pela mesma coisa. E quando ele me encontrou, ele disse-me que eu não estava realmente procurando por ele. Eu estava à procura de uma resposta. É a pergunta que nos guia, Neo. É a pergunta que o trouxe aqui. Você sabe a pergunta, assim como eu. (Trinity)
- O que é a Matrix? (Neo)
- A resposta está lá fora, Neo, e está procurando por você, e irá encontrá-lo quando você quiser”. (Trinity)
Com a ajuda de Morpheus, Neo descobre novas ideias, conhece matrix e todo o seu nível de conhecimento eleva-se e desenvolve-se. Na alegoria, o homem ao sair da caverna também adquire novas ideias, descobre o que é a verdade, sai do mundo puramente sensível, onde apenas se utiliza a capacidade de sentir as coisas, e entra para o mundo das ideias, racional, adquire a capacidade de pensar sobre as coisas.



O filósofo é alguém que se propõe a “sair da caverna”, alcançar a verdade e o conhecimento; entende o quão difícil para a massa é sair da caverna, aceitar o novo, sair do comodismo do mundo puramente sensível, para entrar para o mundo das ideias. Entretanto, ele tenta mobilizar as outras pessoas a questionarem-se, a buscar a verdade e o conhecimento, tenta despertar nos outros o desejo de saber mais. Tanto Neo quanto o homem que sai da caverna tornam-se filósofos, pois são capazes de pensar sobre as coisas, passam a compreender e buscar a verdade.


Ética de Kant


A moral Kantiana exclui a ideia de que possamos ser regidos se não por nós próprios. É a pessoa humana, ela própria, que é a medida e a fonte do dever. O homem é criador dos valores morais, dirige ele próprio a sua conduta.


Como para Rousseau, será para Kant a consciência a fonte dos valores. Mas não se trata de uma consciência instintiva e sentimental; a consciência moral para Kant é a própria Razão.



Assim, a moral de Kant é uma moral racional: a regra da moralidade é estabelecida pela razão – O Princípio do dever é a pura Razão. A regra da acção não é uma lei exterior a que o homem se submete, mas é uma lei que a razão, Actividade Legisladora, impõe à sensibilidade.



Nestas condições, o homem, no acto moral, é ao mesmo tempo, Legislador e Súbdito.


É uma ética formal, vazia de conteúdo, na medida em que:


1º - não estabelece nenhum bem ou fim que tenha que ser alcançado


2º - não nos diz o que temos que fazer, mas apenas como devemos actuar




O que interessa é a intenção, a coerência entre a acção e a lei, e não o fim.


A ética Kantiana possui uma Forma e não um conteúdo à essa forma necessária é a Universalidade: O racional é o Universal.




Kant critica as éticas tradicionais por serem:


a) empíricas – cujo conteúdo é extraído da experiência e portanto não permite leis universais.


b) os preceitos das éticas materiais são hipotéticos ou condicionais (meios para atingir um fim.


c) as éticas materiais são heterónomas – a lei moral é recebida, não radica na razão. A vontade é determinada a actuar deste ou daquele modo por desejo ou inclinação.




Na base da moral Kantiana está presente um determinado conceito de Homem.


- O homem é um ser que se auto-regula a si mesmo, que se auto-determina em liberdade.


- O homem possui neste sentido um poder absoluto – a sua razão autónoma e livre determina a sua própria lei.


- O homem é um destino, isto é, um ser que tem que fazer-se a si mesmo – Personalização – “ao homem cabe o destino moral da personalização.”


- Mas o homem, em virtude da sua constituição, participa também do mundo sensível, da animalidade.


- O homem é um ser dividido dentro de si próprio. Por um lado é um Ser Empírico, enquanto livre arbítrio que pode ou não agir segundo a representação da lei moral. Por outro lado é um Ser Inteligível, na medida em que leva em si um tipo de Causalidade Livre, que se impõe como exigência absoluta e incondicional.



O que é a Lei Moral?


A lei moral é para Kant, Universal, Necessária e «apriori», pois o seu fundamento não poderia ter sido tirado da experiência onde existem muitas inclinações e desejos contraditórios.A lei moral fundamenta-se na liberdade da Razão e tem origem na consciência moral, isto é, na razão autónoma. A lei moral é a lei que o homem enquanto ser racional e livre descobre em si mesmo como correspondendo à sua natureza. É uma lei intrínseca da razão. É a existência da moralidade no homem – A Personalidade – que o identifica com Deus: “Maximamente pessoa e ideal de existência personalizada, isto é, absolutamente causadora de si”.No homem a Lei Moral afirma-se como um Dever e assume a forma de Imperativo Categórico.DEVER – O que é então o dever para Kant?“A necessidade de uma acção por puro respeito à lei”“O valor moral de uma acção não radica pois em qualquer fim a atingir, mas apenas na máxima, no motivo que determina a sua realização, quando este motivo é o dever.Uma acção feita por dever tem o seu valor moral, não no fim que através dela se queira alcançar, mas na máxima pela qual ela resultou: não depende pois da realidade do objecto, mas apenas meramente do princípio do querer”.Para Kant “uma acção não é obrigatória porque é boa, é boa porque é obrigatória”.Para Kant o Dever é o Bem: A Boa Vontade é a Vontade de agir por Dever. A Lei Moral que se impõe por Dever assume a Forma de Imperativo Categórico.



O imperativo categórico, ou da moralidade, determina a acção independentemente de todo o fim a atingir e tem o seu fundamento apenas na consciência moral.O imperativo moral é categórico (e não hipotético ) sem qualquer condição. Respeita à forma e princípio donde resulta a acção (“o valor da acção moral ... vem do princípio da vontade que o produziu”) isto é a Intenção, se assim não fosse, as suas determinações ficariam sujeitas à possibilidade material de realizar a acção apreciando-lhe as consequências, então não seria categórico. Essa forma necessária é a Universalidade: O Racional é o Universal. A vontade não se determina só por leis, mas por fins, mas os fins subjectivos são relativos e só podem fundar imperativos hipotéticos. Só um fim em si pode fundar um imperativo categórico, só o homem é fim em si e tem valor absoluto, é pessoa; os objectos ou seres irracionais têm valor relativo, são coisas.Se o homem é fim em si, a sua vontade só pode estar ao serviço da razão; a vontade moral é, pois, autónoma, e há heteronomia sempre que o ser racional obedece a um móvel exterior à Razão.A lei moral é um imperativo e obriga o homem ao Dever.O próprio princípio da moral à limite práticoconstituído por impulsossensíveis que leva àfinitude de quem deverealizá-laA moralidade não é racionalmente necessária de um Ser Infinito que se identifica com a Razão, mas sim a racionalidade possível de um ser que tanto pode assumir como não assumir a Razão como guia de conduta.Aqui está a Raíz da exigência paradoxal de que o homem como sujeito de Liberdade valha como Númeno – mas afirmando-se como Númeno o homem não anula a sua natureza sensível – o Ser Fenómeno.A sua numenalidade mobiliza a sua fenomenalidade.O mundo supra-sensível que estabelece no acto da sua liberdade, é a forma da própria natureza sensível.Mas o sujeito moral enquanto Númeno não deixa se ser fenómeno – a sensibilidade, e como tal nunca se identifica com a Razão, a moralidade nunca é conformidade completa de vontade com lei moral, nunca é Santidade.

Utilitarismo



Teoria ética contemporânea defendida por Jeremy Bentham e Jonh Stuart Mill no século XIX e por R.M. Hare e Peter Singer no nosso tempo. Muito criticada mas muito influente nos nossos dias.Para estes utilitaristas, a intenção e os princípios de acção não interessam; o que é valorizado e tido em conta são as consequências, os efeitos da nossa acção. Aí reside o valor moral da nossa acção.



O princípio desta teoria é o da utilidade: ou o princípio da maior felicidade, já que é bem aquilo que trouxer a maior felicidade global.Ou seja, uma opção moral é melhor do que outra se, e só se, tiver melhores consequências ou resultados que outra. Mas melhores resultados para quem?Devemos promover o bem-estar e a felicidade de todos aqueles que são afectados pelas nossas acções (o maior número possível de pessoas), ao contrário do egoísmo ético (o meu bem-estar, a minha felicidade).Ou seja, uma boa acção é aquela que tiver mais possibilidades de trazer- a maior felicidade- ao maior número possível de pessoas.




UM EXEMPLO DA PROCURA DO MAIOR BEM PARA O MAIOR NÚMERO DE PESSOAS



O João, um cientista em viagem pela América do Sul, chega a uma pequena aldeia em que está prestes a ocorrer uma execução pública. O Pedro, um militar, reuniu vinte índios e prepara-se para ordenar a sua execução. Explica ao João que esses vinte índios não são criminosos: são pessoas inocentes escolhidas ao acaso entre os habitantes da aldeia, que tem protestado contra o Governo. O João mostra-se desconfortável perante uma tal injustiça. Ao aperceber-se do seu desconforto, o Pedro faz-lhe uma proposta: se o João estiver disposto a matar com as suas próprias mãos um dos índios, ele deixará os outros dezanove partir em liberdade. É claro que se o João recusar esta proposta, tudo decorrerá como estava previsto e os vinte índios serão executados.Deverá o João aceitar a proposta de Pedro?Qual a resposta do utilitarista? Se o João não aceitar a proposta, 20 pessoas morrerão, enquanto que se aceitar, só uma delas morrerá. Assim, vistas as coisas de uma perspectiva imparcial, aceitar a proposta tem melhores consequências do que não aceitá-la e por isso o João deve escolher um índio e matá-lo. Para reduzir tanto quanto possível as más consequências, deverá escolher um índio que seja mais velho ou que esteja já mais doente. É claro que matar uma pessoa irá provavelmente deixá-lo angustiado e com sentimentos de culpa, mas salvar dezanove vidas certamente compensará a morte provocada e o seu sofrimento.

Qual a resposta das éticas deontológicas como a de Kant? Para o deontologista, as consequências dos actos não são tudo o que devemos ter em conta quando agimos. Certos actos são intrinsecamente errados, independentemente das suas consequênciasPara os utilitaristas o que torna as nossas acções certas ou erradas é a conformidade ao princípio de utilidade (o maior bem para o maior número); falta-nos saber o que torna a nossa vida boa ou má.Fazer o que está certo é uma questão de produzir boas consequências e evitar más consequências.Mas em que consistem as boas consequências? O que torna a nossa vida boa ou má?Quando falam de boas consequências, os utilitaristas têm em mente a felicidade ou o bem-estar produzido pelas acções.Então em que consiste a felicidade ou o bem-estar?

Nos utilitaristas clássicos, a felicidade surge como um prazer. São, por isso, hedonistas: defendem não só que o bem-estar consiste apenas em experiência aprazíveis (bem como na ausência de experiências dolorosas), mas também que tais experiências são boas apenas pelo simples facto de serem aprazíveis, e não por outra razão qualquer.Segundo Bentham, cada um dos diversos prazeres e dores da vida da pessoa tem um certo valor, que em última análise é determinado apenas por duas coisas:- a sua duração e- a sua intensidade.Um prazer é tanto melhor quanto maiores forem a sua intensidade e a sua duração.

Assim, os utilitaristas depararam-se com o problema de calcular ou medir a quantidade de bem que determinada acção provocaria, neste caso, a intensidade e a duração de um prazer é o que norteia a nossa acção.Exemplo: O prazer de comer chocolate durante 10 minutos, por exemplo, é em geral, melhor do que o prazer de comer pão durante dois minutos.OuAs dores serão tanto piores quanto maior for a sua intensidade e a sua duração.Exemplo: Estar no dentista durante uma hora não é tão mau como soferer com dor de dentes durante várias semanas.Assim, para promovermos o nosso bem-estar temos de fazer bem as contas de modo a obter um saldo tão favorável quanto possível.


Exemplo: Leva-nos a privarmo-nos de certos prazeres como comer chocolate de forma a evitar sofrimento futuro (como ter dor de dentes) ou então leva-nos a sujeitarmo-nos a um certo sofrimento como ir ao dentista para evitar um certo sofrimento ainda maior (como continuar indefinidamente com dor de dentes). Bentham tem, então, uma visão puramente quantitativa do bem-estar. Pressupõe que os prazeres e as dores são mensuráveis: determinamos a intensidade e a duração de um prazer (ou dor), multiplicamos uma pela outra e obtemos o valor desse prazer; depois fazemos o mesmo a outro prazer e por fim podemos compará-los para ver qual tem mais valor e para agir em conformidade com o resultado.Por exemplo:Definimos uma escala de valores como de 0 a 10 e classificamos determinado prazer quanto- à sua intensidade (5) (5)- à sua duração (5) (4)= (25) ( 20)É este o cálculo da felicidade encontrado por Bentham.A melhor vida é aquela em que, considerados todos os prazeres e todas as dores que a constituem, apresenta o saldo mais positivo. Além da intensidade e da duração, nada mais faz um prazer ser intrinsecamente melhor do que outro.Esta perspectiva de Bentham foi criticado por alguns atores que consideraram que este tipo de hedonismo conduziria a um sensualismo, à adopção de um modo de vida luxurioso. Por isso, Stuart Mill propõe outro tipo de hedonismo.


Segundo Mill, alguns tipos de prazeres são, em virtude da sua natureza, intrinsecamente superiores a outros. Distingue entre



- prazeres superiores



- prazeres inferiores



e para vivermos melhor devemos dar uma forte preferência aos prazeres superiores, recusando-nos a trocá-los por uma quantidade idêntica ou mesmo maior de prazeres inferiores.Mill identifica os prazeres inferiores com os prazeres corporais e os prazeres superiores com os prazeres que resultam do exercício das nossas capacidades intelectuais, alegando que esta identificação resulta do veredicto daqueles que conheceram e avaliaram ambos os tipos de prazeres.


Robert Nozick criticou qualquer tipo de hedonismo utilitarista, criando o argumento da máquina de experiência (espécie de máquina virtual que substitui toda a nossa vida, proporcionando-nos apenas as experiências que queremos.Se o hedonismo fosse levado até às últimas consequências, deveríamos ligar-nos à máquina de experiências sem qualquer hesitação, pois assim a nossa vida seria muito mais rica em prazeres. Com base nesta crítica, o utilitarismo contemporâneo evoluiu, com Peter Singer e R.M.Hare, para um utilitarismo de preferências e não hedonista. Pressupõe que o bem-estar a ser promovido consiste, não em experiências aprazíveis, mas na satisfação de desejos ou preferências.

domingo, 11 de outubro de 2009

Descartes e a necessidade de estudar Filosofia



“Primeiramente, desejaria explicar em que consiste a filosofia. Assim, começando pelos sentidos mais vulgares, esta palavra ´filosofia` significa o estudo da sabedoria e por sabedoria não se deve entender a prudência nos negócios, mas um perfeito conhecimento de todas as coisas a que ao homem é dado saber, tanto em relação à conduta da sua vida, como para a conservação da sua saúde e invenção das artes. (…)
Ora, viver sem filosofar equivale, verdadeiramente, a ter os olhos fechados, sem nunca procurar abri-los, e o prazer de ver todas as coisas que a nossa vista alanca não se compara à satisfação que confere o conhecimento do que se encontra pela filosofia; e, enfim, que este estudo é mais necessário para regrar os costumes, e conduzir-nos na vida, do que o uso dos olhos para nos guiar nos nossos passos”.


DESCARTES, R., Princípios da Filosofia, Lisboa, Guimarães Editores, 1995, pp. 26-28.

Teoria das Ideias de Platão



“Imaginemos agora que cais do espaço sideral para a terra e que nunca tinhas visto uma pastelaria. Deparas com uma pastelaria atraente – e vês, num tabuleiro, cinquenta biscoitos em forma de homem, exactamente iguais. Calculo que coçarias a cabeça e te questionarias como é que podiam ser todos exactamente iguais. É fácil de imaginar que a um falta um braço, um outro perdeu talvez um bocado da cabeça, e o terceiro tem uma barriga demasiado gorda. Mas depois de uma reflexo fundada chegas à conclusão de que todos os biscoitos possuem um denominador comum. Apesar de nenhum deles ser totalmente perfeito, tens a ideia de que têm uma origem comum. Compreendes que todos os biscoitos foram feitos a partir de uma mesma forma.
E não é tudo, Sofia: terás então o desejo de ver esta forma. Porque é óbvio que a forma tem de ser indescritivelmente mais perfeita – e de certo modo mais bela – do que uma das suas frágeis cópias.
(…) Platão (…) admirou-se como todos os fenómenos na natureza podem ser tão semelhantes entre si, e chegou então à conclusão de que «acima» ou «por detrás» de tudo o que vemos à nossa volta há um número limitado de formas. A estas formas chamou Platão ideias. Por detrás de todos os cavalos, porcos e homens há a «ideia cavalo», a «ideia porco» e a «ideia homem».”

GAARDER, J., O mundo de Sofia – Uma aventura na Filosofia, Lisboa, Ed. Presença, 2001, pp.80-81.

Alegoria da Caverna II


A mensagem de Platão na Alegoria da Caverna

· A condição humana aparece a Platão semelhante à de prisioneiros que, pelo facto de serem prisioneiros são ignorantes (não conhecem o mundo real, ou qualquer outra realidade para além da sua) e ignoram a sua própria ignorância, isto é, vivem de um modo inconsciente.
O homem comum é, portanto, nesta perspectiva, aquele que se satisfaz com os dados dos sentidos, que confunde aparência e essência, as sombras e os próprios objectos; numa palavra, é o escravo da opinião, o filodoxo, o oposto do filósofo.

· Para que ele se aperceba do seu erro tem de percorrer um longo e penoso caminho, pois essa via que o leva ao conhecimento universal e verdadeiro é lenta e difícil, exige esforço e é “com a alma toda” que deve ser percorrida. Ela implica uma conversão e uma ascese: e nisso consiste a educação.

· Simplesmente, à medida que se eleva no conhecimento, a alma toma conta de uma outra realidade, diferente daquela a que estava habituada; com efeito, a sua primitiva condição aparece-lhe como um espectáculo enganador, um teatro de fantoches, uma vez que as sombras progressivamente são vistas como cópias, à medida que vão sendo conhecidos os modelos, os originais segundo os quais foram modeladas. Esta situação leva à descoberta de um outro tipo de realidade que não a sensível; o conhecimento verdadeiro exige e institui a existência do Ser.

· No fundo, este caminho, esta ascese que devemos realizar nada mais é do que a passagem da opinião (doxa), ou conhecimento vulgar que tem por objecto o mundo sensível, o mundo das imagens, para a ciência (epistême), ou o conhecimento do mundo inteligível das Ideias ou essências, que é o mundo do ser verdadeiro, o mundo das realidades ideais. O juízo de opinião é irreflectido e incerto: fia-se nas aparências e no hábito; por isso devemos caminhar para o domínio da ciência, do verdadeiro conhecimento, que é o domínio do filósofo (o filósofo, por oposição ao filodoxo, despiu-se de preconceitos e de hábitos, questionando tudo e procurando conhecer o mundo, o Ser.).

· Esse verdadeiro mundo (o mundo real ou inteligível) que o filósofo conhece é o mundo das Ideias. A Ideia é a forma, a estrutura de todos os objectos sensíveis; mas de que é que há Ideia? De tudo: dos seres naturais, dos objectos artificiais, etc…. (a Ideia de cadeira, a Ideia de Pedro, a Ideia de árvore, etc…). No entanto, podemos falar de uma Ideia que originou todas as outras – a Ideia de Bem; esta é a Ideia das Ideias. O filósofo, estando no mundo real e apreendendo todas as Ideias e contemplando a Ideia de Bem percebe que esta é necessariamente a causa e a origem de todas as coisas. A Ideia de Bem sendo a Ideia da qual todas as outras surgiram, foi encarada por muito intérpretes de Platão como sendo Deus; no entanto, Platão nuca se referiu à Ideia de Bem como Deus.

· Finalmente a alegoria sugere claramente que o governo da Cidade deve ser a função daqueles que, educados à luz do Bem, regressam à caverna para orientar e encaminhar nesse sentido. Tal é a missão do filósofo, segundo Platão.



Bibliografia:
JAEGER, W, Paideia –A formação do homem grego, São Paulo, Martins Fontes, 1995.
MAIRE, G., Platão, Lisboa, Ed. 70, 1991.
VIALOTOUX, J., Pour lire Platon, Paris, Ed. de l´École.

sábado, 10 de outubro de 2009

Alegoria da Caverna I


Filósofos

Como resposta às questões que alguns alunos me colocaram nas aulas, deixo aqui apenas alguns dos nomes de filósofos contemporâneos, alguns deles ainda vivos. Quanto aos filósofos portugueses, se tinham dúvida que existissem, verifiquem a pequena listinha que apresento mais abaixo...

Filósofos Contemporâneos

Beauvoir, Simone de
Edmund Husserl
Feyrabend
Gabriel Marcel
Gilles Deleuze
Hannah arendt
Hans-George Gadamer
Herbert Marcuse
Jean-Paul Sartre
Jacques Derrida
John Searle
John Stuart Mill
Jurgen Habermas
Karl Marx
Ludwig Wittgenstein
Martin Heidegger
Maurice Merleau-Ponty
Merleau-Ponty
Paul Ricoeur
Peter Singer
Richard Rorty
Thomas Kuhn
Thomas Nagel


Filósofos Portugueses

Paulo Orósio
S. Martinho de Dume
Sto. António de Lisboa
Frei Álvaro Pais
Frei André do Prado
D. Duarte
Infante D. Pedro
Diogo Lopes Rebelo
Frei João Sobrinho
Frei João Claro
Horto do Esposo
Bosco Deleitoso
Pedro Hispano Portucalense (ou Pedro Julião)
Duarte Pacheco Pereira
Pedro Nunes
D. João De Castro
Francisco Sanches
Francisco de Holanda
Félix da Costa
Álvaro Gomes
Isaac AbravanelIehudad Abravanel (Leão Hebreu)
Isaac Cardoso
Samuel Usque
Sebastião Toscano
Pedro da Fonseca e os conimbricenses
Luis de Molina
Frei Francisco de Santo Agostinho de Macedo
Frei João de São Tomás
Frei Serafim de Freitas António Vieira
Rafael Bluteau
Martinho de Mendonça de Pina e Proença
Manuel de Azevedo Fortes
Manuel Álvares
Luís António Vernei
Frei Manuel do Cenáculo
António Soares Barbosa
Bento de Sousa Farinha
Jacob de Castro Sarmento
António Nunes Ribeiro Sanches
António Pereira de Figueiredo
Francisco José de Freire
Teodoro de Almeida
Silvestre Pinheiro Ferreira
J. P. de Oliveira Martins
Pedro de Amorim Viana
J. M. Cunha Seixas
Antero de Quental
José Pereira de Sampaio Bruno
Teófilo Braga
Teixeira de Pascoaes
Leonardo Coimbra
António Sérgio
Raul Proença
José Marinho
Álvaro Ribeiro
António Quadros
Agostinho da Silva
Delfim Santos
Vergílio Ferreira

terça-feira, 6 de outubro de 2009